Titulo da Comunicação: Psicanálise: uma ética para o tempo
da morte de
Deus?
Resumo:
Começamos por duas afirmações de Lacan: "o estatuto do inconsciente é
ético,
e não ôntico."[1] Não satisfeito com a recusa desse estatuto ôntico,
Lacan
atenta ainda no "caráter demasiado esquecido" sobre o inconsciente,
que,
desde sua primeira emergência, "é de não se prestar à
ontologia."[2] Essas
afirmações feitas no Seminário, livro XI, Os quatro conceitos fundamentais
da psicanálise(1964) vinham na esteira de um projeto anterior, seu Seminário
VII, A ética da psicanálise, apresentado há apenas quatro anos, cujo
objetivo era "saber quais as conseqüências éticas gerais que a relação
com o
inconsciente, tal como foi aberto por Freud, comporta".[3]
De Freud sabemos o que ele nos diz a propósito do mal-estar de nossa
condição de desamparo. Em primeiro lugar, as normas do universo parecem
frustrar nossas expectativas de felicidade. Além disso, não podemos impedir
a deterioração de nossos corpos. Diante desse diagnóstico sombrio,
gostaríamos de acreditar num pai protetor ilimitadamente engrandecido: Deus.
Para Freud, é exatamente nossa condição de desamparo que explicaria nossas
necessidades religiosas. O mesmo desamparo que Freud já assinalava, desde o
seu Projeto para uma psicologia científica, ser "a fonte de todos os
motivos
morais".[4]
Ainda a propósito desse pai supostamente garantidor, Lacan diz em seu
Seminário XI, que Freud "se reencontra com Nietzsche para enunciar, no
mito
dele [Freud], que Deus está morto."[5]
Mas será
que alguma proposição de um fato, ou condição empírica,
pode realmente determinar uma ética? Seria essa a última palavra de Lacan?
Afinal, sua afirmação sobre o estatuto ético do inconsciente, e não ôntico,
não indicaria exatamente o contrário?
Recentemente, a discussão ganha ainda maior fôlego e interesse filosófico
com o debate promovido por Philippe Lacoue-Labarthe. Em seu artigo De l'
éthique: à propos d'Antigone, Lacoue-Labarthe teria reconhecido na ética
lacaniana o que chamou de uma "arqui-ética" não metafísica capaz de
enfrentar os desafios contemporâneos desvelados por Heidegger, e concluiu, a
partir das considerações de Lacan sobre o mito freudiano do pai primevo, que
ali se encontrava o único mito para o tempo da morte de Deus.[6]
No entanto, o próprio Lacan teria anunciado, ainda em seu Seminário XI que:
"a verdadeira formula do ateísmo não é que Deus está morto - mesmo
fundando
a origem da função do pai em seu assassínio, Freud protege o pai - a
verdadeira fórmula do ateísmo é que Deus é inconsciente."[7]
Apesar da incontestável proximidade teórica do Seminário da ética da
psicanálise com o pensamento de Heidegger, incluindo ai a adoção do
filosofema da morte de Deus, pretendemos demonstrar que, na seqüência de sua
obra, Lacan não leva adiante esse mesmo programa. Propomos que a verdadeira
questão colocada para o ateísmo psicanalítico é a da morte de Deus-pai, o
que nos levará a reconhecer que a confrontação de Freud com o monoteísmo
judeu e cristão é uma coordenada bem mais importante que a empreitada
ontológica da desconstrução (ou Destruktion) da metafísica.
Finalmente, apresentaremos um caso em que a afirmação da existência de Deus
permanece relevante para a teorização psicanalítica de Lacan.
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